sexta-feira, 29 de junho de 2012

INEXISTÊNCIA

Por vezes preferia
A ausência da vida
A tê-la tão sentida
Em torturada sina


Desejaria não ser
Inexistindo simplesmente
Do que a razão eloquente
Em incertezas e sofrer


A ninguém dei licença
Deram-me a existência
Dádiva ou castigo ?


Arrasto comigo
Dúvidas e impaciência
Indagações e conflito...






E P I T Á F I O




menos nos pese
a terra depositada
no ataúde da despedida
festim de vermes
na decomposição
da vestimenta
aos ossos limpos
descarnados
de toda pompa

das fantasias
desnudos
de honrarias
ao pó retornemos
em bons insumos
fertilizando o solo
sejamos lembranças
vivas, presentes,
agradáveis saudades...


31/10/2010 

quarta-feira, 20 de junho de 2012


Olhar de fantasia

)

Ao avistar a propriedade, depois de exaustiva peregrinação pelos arredores, dera-se conta do malogro, desiludido por ter se esforçado tanto, adiando compromissos para ter uma folga para visitar aquele lugar, ermo, pobre, deixado em herança pela velha tia. A irmã de sua mãe o tinha à conta de um filho, que não teve. Casada, não conseguiu engravidar, enviuvando, permaneceu solitária. Vivera como eremita, nunca os visitou, embora, amiúde, correspondia-se através de cartas, sempre enaltecendo a propriedade que habitava, narrando, ufana, de suas belezas.
Abriu desalentado a mala, buscando conferir através daquela última carta, a descrição do local que herdara, tão diferente do que testemunhava. Aquilo reclamaria tantos cuidados que não estava ao seu alcance, tampouco seria sua prioridade fazer investimentos inesperados, fugindo ao seu orçamento. Achava-se na condição de aborrecido com o favorecimento. Deixara-lhe um incômodo. Na expressão preocupada buscava entender com indulgência a parente querida.





Lendo aquela missiva, cogitava se não estivera a idosa delirando. A sua narrativa dava conta de um mundo fantasioso, tão diverso da realidade que presenciava. Muito tempo na solidão, provavelmente construíra um universo particular para se refugiar, embora vivesse na penúria daquele sítio abandonado. Dando azo às cogitações, procurava vasculhar o íntimo da sitiante solitária, buscando entendê-la em sua visão de belezas diante a uma situação nada propicia a tais encantos inexistentes.
O mato reinava sobre toda a extensão do terreno, a casa velha, desprovida de algum conforto, mantinha-se de pé, porém teria, praticamente, de ser reconstruída, dada a precariedade de sua conservação. A pobre  vivera reclusa por tantos anos, nunca revelando suas condições, aparentando ser feliz  naquela paragem desértica e esquecida. Sobrevivia da pensão do marido, falecido há anos, e da aposentadoria de professora do primeiro ciclo escolar. Por certo não dispunha de recursos para contratar empregados o que se via no aparente abandono.



  Poderia entendê-la em sua necessidade de fuga,  devaneava. Afinal, amargos seríamos não fosse a visão idealizada e afável, colorindo paisagens áridas e hostis, num verniz suportável. A solidão  a teria feito construir uma outra realidade, vivendo nas minúcias ocultos recantos, tingindo de cores lindas a vida nem sempre bela das mazelas sofridas. Tentativa de ver pelos olhos íntimos, complacentes, as agruras vividas. Formas de se situar na realidade, enfrentando íngremes caminhos, maltratados, nas visões da alma, adocicados, tolerados. Sua mente a teria levado, desatenta, alheia à rotina frugal, com certeza voou, aspirando carícias inexistentes. Maneiras de se conviver consigo mesma, em doce loucura. Visões encantadas, não decifradas, nos matizes invisíveis aos olhares crus da realidade.
Habitando aquela propriedade decrépita, isolada, como se fosse um castelo, na leitura única de seu universo, sensações e emoções tão delas, no único recanto a ensejar vida e beleza, o roseiral aprumado. Rosas belas, em cores vivas, em contraste com a natureza morta daquele chão ressequido e triste. Tonalidades sensíveis, naquelas flores, assumindo derivadas cores dos delírios próprios da florista morta. Sua existência apagada, rediviva em suas criações, adornadas no belo daquelas pétalas exuberantes de afagos aos olhos  de quem as contemplasse.
Aquilo trazia às suas cogitações pessoais, inquirições sobre o mistério, das diferenças entre iguais no padrão dos costumes. A descrição maravilhada naquela correspondência, a narrar com minúcias e belezas, o que apenas aos olhos dela existia, além do roseiral, nada confirmava beleza àquele quadro de abandono e desleixo. O belo pode estar no feio, a felicidade no triste e na tela vazia de imagens, o arco Iris, tudo dependendo da referência e da ótica de quem vê.
Sentado na varanda, sem saber como agir, dando asas às suas cogitações, tentando buscar razões para entender a ex- moradora, possivelmente vivendo nos derradeiros tempos entre duas situações distintas. Ora com os pés no chão das asperezas, noutras, vagando em sintonia com suas necessidades de achar aconchego no onírico dos sonhos. Razões para cogitações eram propícias ao ambiente, reclamando, antes, atitudes e não devaneios. Aquilo o constrangia, o obrigando a pensar em soluções rápidas, não dispunha de muito tempo, conseguira breve licença para cuidar daquela situação e ultimar providências.
Buscava captar no ar das paredes as sensações impregnadas por sua única habitante, por longos anos. Dado a devaneios, suas ilusões em fixos olhos no infinito, da noite que se avizinhava, com o horizonte decorado por majestoso arrebol, tingindo de um amarelo com tonalidades rubras, demonstrando o dia sob sol inclemente, que se despedia.



  Os sons da mata passaram a habitar o ambiente, grilos e coaxar de sapos, ou seriam rãs?, chegavam do brejo próximo ao riacho, com a cantoria de suas águas passando audíveis, quando tudo era silêncio. A lua cheia, por companhia, nimbando de luz prateada ao derredor.
Decisões reclamando urgências. A gleba não poderia ficar à deriva, logo poderiam tomar conhecimento do falecimento da dona, do abandono, podendo  ser invadida. Talvez fosse uma solução, abandonar o que não poderia cuidar, deixar a quem viesse contribuir com o seu trabalho, colhendo frutos, tratando a terra, produzindo alimentos. Socializando o que deveria ser de todos.
Oscilava em dúvidas, não querendo menosprezar o legado do qual a tia, com tanta ternura, quisera presenteá-lo. Se fosse para abandonar não teria deixado por escrito sua intenção, passando-lhe seu castelo de sonhos, na crueza da realidade, reclamando decisões.



  Na estrada visualizara crianças, com mochilas rotas às costas, dirigindo-se para a escola municipal, distante três quilômetros. Alguns vinham em lombos de animais, a maioria fazia o trajeto, ida e volta, a pé. Ás vezes suas figuras sumiam na poeira, sempre que passava algum carro.
Resoluto, enfim, tinha achado a melhor solução, trazia, além da pequena mala de curta permanência, um ramalhete de rosas, colhidas no roseiral cultivado pela florista sonhadora.



 Por escrito, lavrava a sua intenção de doar a terra para a construção de uma escola rural, encurtando o caminho dos filhos dos colonos para se educarem, deixando assegurado de que o roseiral seria mantido e cuidado. Por fim, teria o estabelecimento de ensino o nome da professora falecida, como homenagem.
Sobre o túmulo, depositava as diletas amigas, em tributo, retribuindo o zelo de anos, enfeitando sua sepultura com a graciosidade e beleza das flores tão queridas por sua tia.




* PUBLICADO EM LIVRO NA ANTOLOGIA CONTOS DE MAGIAS  E ENCANTAMENTOS ,EDITORA CBJE-RJ, EDIÇÃO JUNHO-2012.
* PUBLICADO NO BLOG DO LIMA COELHO- CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS LITERÁRIOS - SÂO LUIZ - MA ( com mais de 5milhões de acessos). ILUSTRAÇÕES DE MEL ALECRIM, POETISA E CONTISTA. 

sexta-feira, 15 de junho de 2012


Reminiscências outonais

)
 

Estranhas aquelas manhãs hibridas, anunciavam-se frias e iam, aos poucos, temperando-se no avançar do dia, algo como verão tardio, vagaroso que dormia até tarde, dando oportunidades para que o incipiente inverno se anunciasse, ainda que tímido. Assim eram aqueles dias outonais, uma mescla de sentimentos, guardados nos refolhos da alma e que despontavam, amiúdes, pela estação intermediária entre o tórrido verão e as temperaturas frias do inverno.
Dizer-se que tinha uma identidade própria era suspeito, se em outras plagas o cair das folhas representava a estação meio, ali, no centro de chão asfáltico, aquilo não se presenciava...
Restavam reminiscências trazidas sempre que a estação se prenunciava. Será que nos íntimos das mentes dos transeuntes que circulavam tais cogitações dessas ordens davam vazão? Não se saberia, universos ambulantes em suas confidências, o certo é que ali, no recinto dos devaneios ociosos, tais inquietações do espírito faziam-se ouvir, sentir.
Da janela, avistando gentes que trafegavam apressadas em suas rotinas, o olhar debruçava-se além, como se buscasse, motivado por sensações trazidas, a outros momentos difusos, em retalhos, situações já vividas. Nas gavetas do arquivo íntimo, revisitadas nas oportunidades emotivas, trazidas em lembranças a povoar um mosaico complexo e de nuances, ora lúcidas, por vezes distantes e confusas. O certo é que as sensações visitavam-no, palpáveis, embora indistintas, saborosas como o aroma de frutas típicas, próprias à cada época.





E a realidade presente se distanciava para momentos anteriores, quase que sem domínio próprio... Tratava-se, imperceptíveis aos alheios, uma luta íntensa, íntima, para se firmar âncoras e evitar levitações e ausências, impróprias para o cumprimento das lidas cotidianas, sinalizadas no calendário na inexorabilidade dos ponteiros do relógio e no sinalar da agenda sobre a mesa. Em que sítios visitava sua mente tresloucada? Não saberia ao certo, apenas aos supetões de instantâneas lembranças não lineares, como uma narrativa surreal, mas cheia de aromas e sabores, o que a tornava cristalina e quase materializada, embora tudo não fosse uma viagem interior, na ausência de si mesmo, ausente aos fatos e às rotinas...
Incômodas viagens inusitadas trazidas por aqueles dias indefinidos entre duas estações marcantes. Seria a dubiedade, o hibrido, entre duas situações opostas? Tudo eram cogitações, tão arraigadas e idiossincráticas, que temia partilhá-la com outros, visto sequer saber que enfoque dar ao assunto, tão etéreo, sensível e pessoal...
Ensimesmado, andava nas calçadas como quem mede os próprios passos e ouve a cadência dos sons no atrito dos sapatos sobre o chão, um Ser devaneia em meio à multidão atarefada, assoberbada em si mesma... A tal solidão coletiva, partilhada como membro de uma manada a cumprir o ritual do trajeto comum, ilhados em si mesmos e distantes nas suas intimidades.




O cair da tarde, antecipando a noite, no frescor já verificado no amanhecer, em respingos de uma garoa fina, apressando gentes em suas correrias, trazendo o arsenal de guarda-chuvas enfeitando de cores o passeio público, e a balbúrdia da cidade em sua algaravia de ruídos, estressada no congestionamento quilométrico, os olhos hipnotizados no vaivém do parabrisas, na música solta no rádio fm, companheira das divagações, entremeadas da atenção nas trocas de marchas e movimentos mecânicos para se movimentar o carro enfilerado compulsionariamente no engavetamento.
A noite não tardaria, fresca, insinuante, abreviada na estação que a fazia mais longa.
Cinzentas tardes, onde a mente solta, irriquieta, poeta, devaneia e brinca com a sisudez das aparências, deixando um Ser vagar em si em busca de sensações já experimentadas e respostas...
 CONTO ESCOLHIDO PARA PUBLICAÇÃO EM CONTOS DE OUTONO, EDIT CBJE, LANÇAMENTO ABRIL/2010.  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

* publicado no BLOG DO LIMA COELHO- Contos, crônicas, Poesias e artigos literários,São Luiz-MA, com ilustrações de MEL ALECRIM, poetisa e contista. 

quarta-feira, 13 de junho de 2012

VIVÊNCIAS...




                          Momentos presentes
Bailam na correnteza
Sentidos latentes
Rio da vida, madureza

Emoções fulgentes
Atos em gestos
Ensinamentos viventes,
Esculpidos, manifestos

Colecionador de impressões
Vitrais de realidades, ilusões,
Momentos alegres ou funestos

Sensações e conclusões
Testemunhas das lições
Na carne e espírito, impressos...

*publicado em livro na antologia Brasilidades n° 6,
homenagem ao poeta Carlos Drumond de Andrade, editora CBJE, Rio de Janeiro/RJ, julho 2012.  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.





segunda-feira, 11 de junho de 2012

EM XEQUE

No som do riso reprimido
Olhar que olha e não vê
Automático gesto repetido
Genuflexa dizendo que crê


E professa  fé tamanha
Da vida maravilhas vividas
Na intimidade se assanha
E renega dádivas recebidas


O que não enxerga não prova
Se não a têm não comprova
A certeza titubeia, descrê


No sorriso contido
Enviesado retido
Diz que sim sem porquê 





quarta-feira, 6 de junho de 2012

A L I E N A Ç Ã O

Tanto corre
e se acha
no ponto
de partida


sem medida
e saída
pronto
na despedida


recomeçando
o  não começo
o futuro
adiando o agora


sem  amanhã
nem importância
levando, se levando,
esquecer se esquecendo...

terça-feira, 5 de junho de 2012

VIDA ESCOLA



Mestra escola vida,
Passos e tropeços
A lição nos ensina


Bons maus doces amargos
Apesar dos aborreços
Na didática dos embargos


Óbices e desafios


Discernindo o joio do trigo...

sábado, 2 de junho de 2012

A DAMA NO TRÂNSITO

Abstraída atenção observa
Vigilante diligência frequenta
A movimentação dos carros

No parar e seguir se conserva
Aos lados e à frente atenta
Gesticula em gestos bizarros

Faróis, neons, luzes e sons

Impaciência acesa em cigarros...