domingo, 29 de junho de 2008

A VINGANÇA *


Ágeis como feras
da necessidade a astúcia
velho tomba na calçada

vítima incrédula
62 anos calvície acentuada
óculos partidos chapéu ao lado

monte impotente estarrecido

cônscio da fragilidade perigo
da impossibilidade de defesa

corpo desajeitado deprimente
decúbito dorsal e
estendido
coração em síncope iminente

feito bêbedo qualquer

filetes rubros nas narinas
face e camisa azul manchadas

em suspense esperava o saque

uns poucos reais na carteira
a foto da neta o velho relógio

Nada restava a fazer
feito fantoche inativo
à vontade dos algozes

não concatenava os fatos
audição falhava indistinta
imundícies da via pública

Jovens no máximo três
falas lacônicas rápidas
gírias grosseiras cifradas

em crise mergulhado
julgamento insano
na espera imprevista

desejou morrer
se reteve assustado
reflexões da vida fausta

Inerte infeliz animal acuado
mãos lhe apalpando o corpo
virando bolsos intimidades

Não reteve as lágrimas
mescladas à poeira e suor
garganta seca saliva grossa

Num ato conjunto
o viraram de frente
opróbrio estampado

cara-a-cara
meninos meliantes
donos de sua sorte

existência fragmentada minutos
reflexão lúcida o orgulho ferido
final dos deserdados sem chances

garotos personagens párias sociais
vivos protagonistas dramas lidos
manchetes nos jornais matutinos

leitura saboreada com o café matinal
aconchego do lar imune ao submundo
desprezos e ditos jocosos à ralé miúda

derradeiro juízo pavor
a sangrar como suíno
na lâmina do canivete

grito seco suplicante piedade
.desventura desmessurada
envergonhado clamou perdão

as faces mutiladas
infâncias abortadas
os sonhos desfeitos

arrogâncias endossadas
entranhas da consciência
casta renegada vil e cega

escárnios ao desgraçado
o líquido acre e fétido
urina arde nas escoriações

o revide e o pagamento
dramas lidos prazeirosos
folgosas manhãs saboreados...

( publicado como crônica no jornal Novíssima Gazeta Renana, na PUC-SP, em 1984)

ESPERANÇA


É sempre hora

para o sorriso negado
reprimidos impulsos

voltarmos atrás
em novos passos

repisar o solo
onde nada mais nasça...


(1980)


Cavar bem fundo
frêmitas mãos

semear no ventre
terra fecunda

acalentar
a semente

hão de colher
tanta ternura...


(1980)

ÍNTIMO - 1


Amas a parte sublimada
de meu eu

o filtro que limpa
expiações diárias

busca-me nos afagos
ignoras inquietações

umedece
os olhos e os lábios
vaginais

acalentas-me dócil
aconchego de fêmea

escondes tua cabeça
em meu peito suado

tenhas tento amas a parte
incorrompida que me resta...

(
1980)

ÍNTIMO - 2


Se a amo e desejo
de forma e maneira diversa

em afagos em asas distantes
desfruto momentos presentes

Se a amo o faço diferente
sem paixão mas efêmero

no mutismo de meu tato
seu corpo acariciado

nada mais que meu calor
te retribuo nesta hora

no meu íntimo somente eu
melhor assim para nós dois...


(1980)

REVISANDO


É preciso...

questionar
sentido ausente
de existir

vomitar
coisas indigestas
entranhas dormentes

acreditar
passos novos
rotas inéditas

acordar
inércias duras
inválidas vidas

(
1980)

SOLILÓQUIO



antítese vida/sonho
frases perfeitas
rimas lapidadas

dos contrastes o belo
redenção em gemidos
estertores catárticos

mensagens sons inaudíveis
produtos de águas suadas
segregação dos poros

sê ouvido justifica-se
dizer algo é identidade
viver é ser o que se é...

(1980)

IMENSIDÃO


Errante marinheiro
sem porto seguro
ignorado destino

Senhor de cada porto
morador de cada caís
cidadão do mundo

Não se apequene
temendo fascínio
inesgotável busca

paredes que dividem
ignoram o outro lado
meia visão horizonte

calmarias e tormentas
timoneiro e embarcação
navegue sem fronteiras

cative os de iguais sinas
luz nos caminhos diversos
solidário sentimento maior

não crie raízes
adote bandeiras
nacionalidades

ignore os rótulos
idiomas endereços
cultive a quimera

deixe-se à deriva
sem rotas e datas
planos e chegadas

a vista tamanho mar
ancouradoro distante
frenesi da descoberta...

MUDOS DIÁLOGOS


nos vemos
falas sorrisos
ontem agora

tímidos
banais
insinceros

pálidas
imagens
triviais

ocultos
sentimentos
imanifestos...



(1980)

COGITAÇÕES


palavras vãs
monossílabos

reticências

ausências
irreveladas
distâncias

emoções
sufocadas
dissimuladas


atitudes
pusilânimes
renúncias


receios
clamores

mudos...


(1980)

RODA A RODA


Menina na roda
quimérica
traquinas
esquecida
na roda do tempo

Roda labuta
engrenagens
ambição
rotinas

Roda viva
mesquinha
feroz
e
Nesta roda
quem roda
...Somos nós !


(1980)

sexta-feira, 27 de junho de 2008

NOITE NA FAZENDA *


A tarde escurecia
aves recolhidas
finda luz do dia

visitante na fazenda
lamparinas lampiões
imagens distorcidas

o silêncio da noite
chegando impondo
sussurros tremores

Aos poucos sons parcos
uma tosse um ressonar
tudo mais um vazio

profunda escuridão
bruxuleantes clarões
mínguada luz escassa

Em breve nada ouvia
ciciar de insetos
insone mente vadia

lembranças arrepios
fantasias fantasmas
terríveis estórias

ouvidos alertas
oculto suado
o sono tardio

turista menino
vida citadina
exausto vencido

o canto do galo
sol nas janelas
cheiro da terra

manhãs mesas fartas
vaporosas chaleiras
sucos pães e pudins...

quinta-feira, 26 de junho de 2008

ALEGRIA AMBULANTE


O circo chegou
gurisada feliz
expectativas

escolhido o terreno
armados barracos
içada a lona furada

fios e lâmpadas
som no alto-falante
músicas e anúncios

atrações inéditas
curiosas promessas
palhaços e animais

a cidade pequena
agitada feliz
tédio esquecido

pipocas amendoins
maçãs do amor
picolés suspiros

manjadas mágicas
coelhos em cartola
brancas pombas

passados os dias
abranda euforia
o novo fica velho

e em qualquer dia
a alegria se retira
de volta a rotina...

segunda-feira, 23 de junho de 2008

COMÉDIA HUMANA


Desmedidas ambições
paixões impossíveis
desfeitas quimeras

súplices suícidas
guetos marginais
destinos incertos

pães esmolados
proles famintas
prisão detentos

carências humanas
desarmônicos lares
solidões coletivas

ausências pranteadas
dores males enfermos
despedidas e saudades

prazeres fugazes
desvios malsãos
levianas atitudes

Quixotes sem lanças
enredos sem sentido
crianças sem arrimo

teatros desertos
tristes palhaços
atração chinfrim

letras sem música
escritos sem alma
telas descoloridas

ocasos das existências
universo sem horizonte
vidas desamadas...

quinta-feira, 19 de junho de 2008

A VIDA NA FAZENDA *


Casa grande rodeada
alvas amplas sacadas
modorrentas rotinas

coqueirais pardais
ninhos ovos filhotes
currais e porteiras

arrastavam-se os dias
pachorras monotonias
animais aves quintais

picolés de groselhas
geladeira querosene
alegrias passageiras

via-se ao longe
lotada jardineira
povos migrantes

mofo na sala e cômodo sofá
pilhas no rádio e toca discos
fotos da familia nas paredes

o mundo parecia tão restrito
minutos demoravam no cuco
velho calendário pendurado

cavalos, cães e berrantes
tropéis poeiras estradas
bovinas manadas levadas

sol a pino final de jornada
sacas algodões amendoins
homens suados lida diária

restava o fim de semana
esperas de todos os dias
passeios na pequena vila

boi montaria imprevista
presunçoso roupa nova
queda estrume na cara

correrias banho rápido
da avó severos olhares
das primas gargalhadas...

domingo, 15 de junho de 2008

OPERETA BUFA - paixões


Azo às cismas e temores
à conta de receios vãos
diante si verdade crua

Debruçada alheia redigia
enamorada em demasia
malbaratando cuidados

presença furtiva insana
tinto de sangue o papel
nas mãos do açougueiro

depunha a missiva
clandestina paixão
denunciadas juras

nem palavras defesas
inegáveis evidências
o marido e a infiel

maculada honra
ultrajado lar
maledicências

Visão congesta e rubra
fácies torpor e sofrer
recôndita marca da dor

incrédulos olhos atestam
reles artimanha perfídia
traição cobrando revides

nau revolta mente malsã
castigos cruéis à torpe
insaciáveis martírios

A dor lavada vingada
abatida bovina rotina
lâmina gesto certeiro

garras fortes
estiolam carnes
desossam animais

o mutismo da confessa ré
assassino crucial momento
cadavérica palidez mortal

derradeiros instantes
fatalidade iminente
vidas aflitas enredos

desfalecida inerte boneca
perfume embriaga e exala
o desejado corpo da amada

Faíscas emoções presentes
lembranças fortes latentes
vacila o executor clemente

O insultado chaga aberta
rechaça revanches perdoa
apiedando-se de seu amor

ódio contido ajoelhado
ferido homem humilhado
menino de colo carente

condoída adúltera
lágrimas convulsas
rende- se o traído

amam-se esquecidos
traumas reprimidos
futuro fel curtido

arquitetam planos
revivem sensações
prelibam venturas

Adormece lânguido exausto
desmaiado delírios febril
fortes tensões o infausto

Lépida levanta matreira
breves palavras rascunha
aguarde o amante querido...

TOQUE DE SILÊNCIO


Na cidadela distante
de atrações carente
o alto falante

anunciava a música
para todos surpresa
quem seria ?

Em voz altissonante
o locutor sisudo
pesaroso informava

óbito de um morador
fulano ou sicrano
breves considerações

o cortejo na avenida
levavam o féretro
silêncio sepulcral

Portas semi- fechadas
chapéus nas mãos
atitudes respeitosas

Assunto vencido
rotina retomada
até a próxima atração...

FIM DE FESTA


É noite...
lua, nuvens, estrelas

Música no rádio de pilhas
O vagabundo rumo incerto

fim de madrugada
notívagos mariposas na luz

O ladrar vadio de um cão
o rangido no portão

marasmo de um homem só
insana consciência

a ilusão companheira
na euforia da noitada

trôpegos passos
solidão...



(jornal do Banco itaú, 1976)

sexta-feira, 13 de junho de 2008

MANHÃS FRIAS ( sensações)



Não raras vezes sentimos, em determinadas ocasiões, uma reprise de um momento já percebido; as causas, se há alguma definição que as expliquem, ignoro.
Como a ignorância está fundamentada em todas as atitudes, deixo-me, ainda desta vez, de inquirir à respeito; contudo, levam-me a refletir numa reciclagem de sensações... parece-me óbvio o sentir, no inverno assim com em cada em estação do ano, com o passar de um ou vários, a volta de um sentimento já experimentado. Assim, a melancolia da estação fria poe-me a meditar num mosaico difuso, num emaranhado de momentos anteriores; chego à estupidez de crer que o sentimento de agora não é recente, somente uma projeção de sensações já vividas. Tese perfeitamente infundada pois seria o mesmo que afirmar uma inércia na percepção dos sentidos, limitá-la a arquivo da memória e a insensibilidade ao momento presente, ao panorama vislumbrado neste exato momento.

Descarto da possibilidade de o condicionameto de sentir, porque deles, os sentimentos, cada qual temos nossa forma idiossincrática, peculiar de apreender, de se exprimir. Resta-me absorver as sensações sem a preocupações de analogias. Talvez tudo tenha relação com os momentos vividos anteriormente. Se o inverno desperta-me a meditação, o silêncio, o recuo ao convívio com os demais e a opção pelo ostracismo, não se constitui, todavia, a regra; as pessoas, no tempo frio, aproximam-se mais, tornam-e mais aconchegantes; algumas optam pelo frio e repudiam as contrariedades do verão com seu sol tórrido...

Por certo também nos demais períodos do ano as sensações transportam-me a momentos já vividos; elas estão encravadas na alma como a inscrição feita a estilete no tronco do carvalho. Sentimos o já sentido porque o momento presente sugere esta sensação; nada em termos sensitivos é independente,nem mesmo os pensamentos estão liberados de um estímulo.

No caso de sentir o já vivido liga-se ao momento presente, não apenas pela estação fria como por todas as mudanças implícitas às inversões de hábitos; explico: o fato do ar úmido pelas manhãs, o andar atarracado para aquecer, o desdobramento sobre si mesmo como hibernação de um urso, estimula a reflexão, o mutismo; assim como uma fruta saboreada pode-nos trazer sensações de épocas determinadas, momentos específicos e particular a cada elemento, pelo próprio aroma e sabor degustado.

( jornal mural Banespa Ag.Barra Funda, 1978)

domingo, 8 de junho de 2008

SAUDADES...


convicto
do infinito
lamentos

amigos
registros

despedidas

anseios
vividos
vivências

sonhos
passagens
cúmplices

escritos
comuns
recordações

ausência
efêmera
consolo

viagens
sinas
saudades...

segunda-feira, 2 de junho de 2008

VENTOS


Aragem no rosto
beijo na face
sensações revividas...

Cidadela noites escuras
lampiões e lamparinas
festejada luz elétrica...

Brioso puro-sangue esquelético pangaré
barreiras imaginárias tentando galopar
virilhas e nádegas doloridas...

O caderno brochura como prêmio
corrida a pé avenida central
última colocação...

Cinema da cidade programa ao vivo
um improviso de perguntas e respostas
-A capital do Brasil é... São Paulo !

Reminiscências de dias frios
na infância Mariluz distante
nos amigos que se espalharam...

Na barcaça de Belém a Marajó
noite iluminada lua cheia
o sacolejo nas águas frias...

Mangueirais mercado modelo
Belém divide o dia
antes ou depois da chuva...

Madrugada em Marajó
dormida no coreto
sapos e urubus...

Arcadas históricas Maranhão
Alcântara odor de peixes
tambores na ilha de São Luiz

O entardecer na escuna
orla da bela Fortaleza
luzes cambiantes no ocaso do dia...

Ah, Aracajú,tantas confabulações
tempo exaurido
Não me deleitei em suas belezas...

Macacheira frita Maceió
cerveja gelada,pés na areia
espumas das marés...

No ritmo das jangadas
albinas dunas de areia
Natal de eterno verão...

No lombo do jegue
cangaceiro turista
fotos com o meu pequeno...

O acarajé da baiana
o gingado do mulato
sons e aromas no ar ...

Salvador,Ondina,Farol da barra,
Solidão, insônia, embriaguês
hitcok na última sessão da tv...

Na casa de barro caiado
em velho cemitério de temíveis relatos
Nazaré das Farinhas, Ilha de Itaparica...

Quantos fiéis nas romarias
mosteiro de vila Velha
Espírito Santo Porto e praias...

As imagens corridas no vidro
Belo Horizonte, vista rápida
pessoas, cheiros, visões...

No átrio da igreja mineira
apóstolos em pedra sabão
imortalizam Aleijadinho...

Ouro Preto, Mariana, Sabará
nos recôndidos de seus becos
juras de amor rescendem liberdade...

Largatear à beira das piscinas
ao som de Elton John
nas linfas quentes de Goíás...

No planalto central
labirintos gabinetes e plenários
burocrática Brasília...

O pé na estrada
sol crestando a pele
cabelos soltos...

A água refrescante
beijando a terra
enxarcando o solo...

Luanda de dias quentes
poeira fina, Angola amiga
irmãos de além mar...

Orgulho gaúcho rio Guaíba
Na cidade Porto Alegre
visita breve, reuniões...

Domingueira passeata em Floripa
apelos inúteis, público ausente
ao longe a Ercílio Luz a ponte...

Santa Catarina de gente bonita
Altos,loiros, europeus brasileiros
Passeio à beira-mar,estranho no ninho...

Bela e limpa Curitiba
Na rua que não dorme
Souvenir de viagem...

Chinelos de dedo,céu azul
bermudas, calçadão, tiros
Rio, bela-fera de contrastes...

Sampa tamanha medonha
universo gigante incomum
jovem aturdido em suas ruas...

Paulista avenida manhã fria
sala de cirurgias esperas
no colo o filho querido...

Na rabeira do caminhão
dorsos nus,calções largos
menino mundo possível...